sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Contos nem tão curtos - série 3 - Deixe-me cagar

A vontade de cagar era grande quando Geraldo abriu a porta do banheiro aos pontapés. O trabalho já não o assustava nem sequer o estressava, mas havia um incômodo ainda desconhecido em suas entranhas. A bosta que entupia seus canais o ajudava a esquecer seus problemas. Era agradável dar um barro, tanto que ele não tinha a mínima vergonha de assumir isso para seus amigos, fosse no bar ou num restaurante.

Sentou-se, abaixou as calças e iniciou a jornada escatológica. Ao mesmo tempo em que os cagalhões desciam latrina abaixo, Geraldo lembrou-se de quando era criança e que sofria de sonambulismo. Muitas vezes isso aconteceu. Recebia um beijo da sua mãe em sua própria cama e acordava no chão do banheiro ao som dos berros da velha. Não eram berros estridentes, mas eram berros de qualquer forma. Isso o emputecia, mas era agradável para ele aquela aventura sonâmbula. Sentia saudades daquele tempo.

Geraldo teve seus pensamentos nostálgicos interrompidos por uma maldita luz com sensor no teto do banheiro. Era preciso levantar a mão de trinta em trinta segundos para que aquela merda acendesse novamente. Isso o atrapalhava, mesmo porque ele adorava o banheiro e, se dependesse dele, ficaria horas a fio por lá. Acho que por isso ele acabava acordando tantas vezes no banheiro na época de sua infância. Ele realmente gostava de deitar no chão frio do banheiro.

Diante de tantos ruídos, ele notou que já haviam se passado mais de quinze minutos naquele cubículo e ele nem tinha limpado a bunda. Sendo assim, o fez com maestria. Dobrou o papel em três partes e passou-o no botão. Dobrou mais uma vez, depois mais uma, e assim foi, até acabar o trabalho, finalizando com passadas suaves ao redor das pregas.

Como já estava de saída, tirou a .40 Glock do coldre e acertou um tiro no sensor. Foi um estardalhaço. Não só pelo barulho que o pipoco causou, mas também porque o aparelho caiu liberando destroços por todo o banheiro, inclusive em sua cabeça, o que deixou Geraldo ainda mais puto.

Ele não se importava com o que tinha que fazer em seguida, afinal, todas as pessoas tinham que trabalhar e ele tinha a plena consciência de que ele também fazia parte da estatística. Porém, o reboliço estomacal começou novamente, e o que era para ser um momento de lazer, se tornou um pesadelo.

Desta vez, cagalhões pesados e ainda mais fétidos enchiam o vaso. Geraldo estava puto da cara.

Por causa do estrondo causado no segundo andar, Seu Erasmo, o zelador do prédio comercial, recebeu ligações dos condôminos e foi conferir o que raios tinha acontecido.
Poderia ter sido um vazamento de gás, o que era perigoso, mas não tão complicado de se resolver. Bastava chamar o pessoal do seguro e ele poderia continuar sua vagabundice na salinha com o título de seu cargo.

Chegando ao segundo andar, Seu Erasmo dirigiu-se à recepcionista perguntando da onde tinha vindo aquele barulho dos diabos. A recepcionista apontou o banheiro.

Seu Erasmo abriu a porta do banheiro e, de cara, sentiu o cheiro da merda. Era um cheiro insuportável, como se ele tivesse pedido pra cheirar o cu de uma égua. Um verdadeiro horror.

O zelador viu que o sensor tinha sido destruído ao mesmo tempo em que, de canto de olho, percebeu que o box da direita estava ocupado.

- Tem alguém aí? – perguntou Seu Erasmo, bem baixinho.
- Tem né, caralho!
- Meu senhor, o que aconteceu aqui? Todos reclamaram do barulho e eu acab...
- Posso cagar em paz, porra? - interrompeu Geraldo, o ex-sonâmbulo cagão.
- Mas eu só quero saber o que aconteceu aqui. Podemos conversar ou terei que chamar a polícia?

Geraldo estava vermelho de tanta putice. Podia sentir seus dedos tremendo, exatamente a mesma sensação de quando ele tinha que brigar com alguém na famosa rua da igreja, logradouro dos arredores de sua escola primária.

- Eu vou limpar a bunda e já falo com o senhor.
- Eu não posso esperar mais, moço. Já tem gente aqui me torrando as paciência.

Uns quatro ou cinco curiosos já começavam a aparecer no banheiro perguntando para Seu Erasmo o que havia se passado.

Geraldo estava muito, mas muito puto da cara. Seus nervos pulavam, assim como sua veia da testa. Aquilo era um mal sinal.

- Tô indo, caralho!

Limpou a bunda da mesma forma. Dobrou o papel em três partes. Mais uma vez, depois mais uma, e assim foi, até acabar o trabalho, finalizando com passadas suaves ao redor das pregas.

Apesar do nervosismo e tensão no ambiente, Geraldo se preocupava em limpar sua bunda da melhor forma. Procurava ser o mais higiênico possível com sua rodela preta.

A polícia já havia sido chamada, mesmo porque Geraldo havia demorado cerca de quinze minutos para limpar o rabo.

Bateram na porta. Era um coxa.

- Senhor, precisamos conversar. O senhor poderia sair da cabine, por favor?
- É FODA! É FODA!
- Senhor, saia AGORA! É uma ordem!
- FILHO DA PUTA, tô saindo e você vai ver só o que é bom pra fogo no cu, teu apressadinho de merda!

Geraldo abriu a porta com tudo, já com a .40 Glock em mãos, apontando para a primeira cara que surgia em sua frente.
Neste momento, os curiosos começaram a fugir, esbarrando-se uns aos outros. Um furdúncio ridículo. Seu Erasmo ainda caiu no corredor, parecia que tinha tomado porre durante, no mínimo, dois dias seguidos. Era um zelador.

Cara a cara com o policial. Armas apontadas para ambas as faces.

- Vai tomar no cu, Lima. Tava cagando, porra!
- Por que você não me disse que era você desde o começo?
- Como eu ia saber que era você, inferno? Não cago de porta aberta. Gosto de privacidade.
- Beleza, vamo aí antes que comecem a encher os nossos pacovás.
- Tá, tá, caralho. FODA!

Geraldo queria cagar em paz, só isso.

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