quarta-feira, 1 de junho de 2011

Nós já estamos mortos

Perambulam as nações rumo ao crescimento infinito.

O corredor é finito, é o covil coletivo, a terra que recicla o chorume que ninguém quer que chegue às portas nasais.

A desordem organizada para a ordem, o caos organizado para controlar o caos, a filha repreendida por não poder ser mais mãe, conduta cega e ministrada por outras mães, estas só herdeiras de informações que tomaram outras proporções. Tomaram seus únicos bens.

Diante da realidade já imposta, da imposição que sorrateiramente te afaga e, como disse dos Anjos, é a mesma que te escarra, a mãe é impedida de ver seu próprio ventre por limitações naturais.

Após sentir totalmente o escarro virão somente suas consequências mais previsíveis: o ódio e o asco diante do gosto amargo e inevitável e o desejo por um ar puro já condicionado a quem justifica seu condicionamento.

Seu condicionamento.

Sua cova.

Num futuro que ainda iremos ver pelas mesmas lentes que atropelam nossas opiniões diariamente, iremos também sentir o asco, o ódio e a sensação passiva de ser. Sim. A oca passividade de simplesmente ser.

Ser será cortado, como os gastos inúteis das empresas, como o dedo ao encostar na navalha afiada. É fato, como a morte.

Na esperança do último ser escondido dentro do próprio ser, se ilumina uma quase que palpável e distante solução que não pode ser vivenciada por este próprio ser, já que está recriminada pelo âmbito social corrente: a de se deixar um herdeiro.

Um Hércules.

Um Zuckerberg.

Um Jobs.
Um Kennedy.
Um Che.

Um Pierrot.

Caminham os mortos com a última esperança do ser vivo recostar sobre o palanque e afagar momentaneamente alguns corações, que do outro lado da grade palpitam e sentem a insuficiência de bombear sangue, de manter o saco de carne e água em pé, de fazer lágrimas escorrerem pele abaixo.

Jesus está vivo! – diz um ex-gerente de relações públicas.

Meu caro ser, que já deixou de ser, nós já estamos mortos, capiche?

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nível

observo
observo
observo a minha própria ruminância
mastigo como lavo volto a enxergar cuspo observo um mosquito de corpo ocre
levo a mão à cabeça observo me perco lembro lembro de você que acabou de se lembrar de mim
cutuco cuspo lembro observo minha lembrança que já passou
passa lava passa, já passou
está preso ou liberto?
está cego ou consciente
observo meu desprendimento num ato solitário e solene
não tem nada, só observo
é solitário e solene
lembro guardo lembro acaricio um que me veio no teto
observo que há deuses, que há tempos
observo o controle sentado em camarote VIP infestado de mim
infestado de merda

sabe da minha existência?
como eu mesmo poderia saber?
responde responde observo cuspo
observo peido cuspo minto ajudo
resposta do próprio tempo que disse através do tempo o que deveria ser dito acerca do tempo
só o tempo
só o controle que observa o descontrole
só observo

se os deuses enxergam
enxergam através de mim
através do maldito tempo
se eu mesmo me enxergo e me testo retesto detesto
como na terra das amarguras fui concebido
o que presta me lembro lembro observo
lava passa, já passou
volto a observar diante da minha própria imagem
a tua a minha a tua observo
se me vou, não é preciso rastejar
não existe rastejo
só uma solidão solene
branda como porra nenhuma, como o tédio
tédio sendo cutucado pela curiosidade constante
carrasca. romântica carrasca.


a cabeça observa como se pode observar
se não se enxerga como observo
quem trouxe eu não observo
só dentro do meu tempo eu observo
até ele se esgotar, sabe-se lá
a troco de quê...


se digo que vou não é porque sei
é porque se volto, volto a tempo de quê?
em qual tempo?



só pode ser.



mas se eu voltar e voltar a observar
como talvez eu já esteja fazendo neste meu momento futuro
tornarei a observar, observar, observar
pelo tempo que for tempo
observar, observar
você com o mesmo olhar nostálgico e real
que remete ao meu tempo, dentro da atemporalidade
dos deuses e tempos dos quais desconheço.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Contos nem tão curtos - série 3 - Deixe-me cagar

A vontade de cagar era grande quando Geraldo abriu a porta do banheiro aos pontapés. O trabalho já não o assustava nem sequer o estressava, mas havia um incômodo ainda desconhecido em suas entranhas. A bosta que entupia seus canais o ajudava a esquecer seus problemas. Era agradável dar um barro, tanto que ele não tinha a mínima vergonha de assumir isso para seus amigos, fosse no bar ou num restaurante.

Sentou-se, abaixou as calças e iniciou a jornada escatológica. Ao mesmo tempo em que os cagalhões desciam latrina abaixo, Geraldo lembrou-se de quando era criança e que sofria de sonambulismo. Muitas vezes isso aconteceu. Recebia um beijo da sua mãe em sua própria cama e acordava no chão do banheiro ao som dos berros da velha. Não eram berros estridentes, mas eram berros de qualquer forma. Isso o emputecia, mas era agradável para ele aquela aventura sonâmbula. Sentia saudades daquele tempo.

Geraldo teve seus pensamentos nostálgicos interrompidos por uma maldita luz com sensor no teto do banheiro. Era preciso levantar a mão de trinta em trinta segundos para que aquela merda acendesse novamente. Isso o atrapalhava, mesmo porque ele adorava o banheiro e, se dependesse dele, ficaria horas a fio por lá. Acho que por isso ele acabava acordando tantas vezes no banheiro na época de sua infância. Ele realmente gostava de deitar no chão frio do banheiro.

Diante de tantos ruídos, ele notou que já haviam se passado mais de quinze minutos naquele cubículo e ele nem tinha limpado a bunda. Sendo assim, o fez com maestria. Dobrou o papel em três partes e passou-o no botão. Dobrou mais uma vez, depois mais uma, e assim foi, até acabar o trabalho, finalizando com passadas suaves ao redor das pregas.

Como já estava de saída, tirou a .40 Glock do coldre e acertou um tiro no sensor. Foi um estardalhaço. Não só pelo barulho que o pipoco causou, mas também porque o aparelho caiu liberando destroços por todo o banheiro, inclusive em sua cabeça, o que deixou Geraldo ainda mais puto.

Ele não se importava com o que tinha que fazer em seguida, afinal, todas as pessoas tinham que trabalhar e ele tinha a plena consciência de que ele também fazia parte da estatística. Porém, o reboliço estomacal começou novamente, e o que era para ser um momento de lazer, se tornou um pesadelo.

Desta vez, cagalhões pesados e ainda mais fétidos enchiam o vaso. Geraldo estava puto da cara.

Por causa do estrondo causado no segundo andar, Seu Erasmo, o zelador do prédio comercial, recebeu ligações dos condôminos e foi conferir o que raios tinha acontecido.
Poderia ter sido um vazamento de gás, o que era perigoso, mas não tão complicado de se resolver. Bastava chamar o pessoal do seguro e ele poderia continuar sua vagabundice na salinha com o título de seu cargo.

Chegando ao segundo andar, Seu Erasmo dirigiu-se à recepcionista perguntando da onde tinha vindo aquele barulho dos diabos. A recepcionista apontou o banheiro.

Seu Erasmo abriu a porta do banheiro e, de cara, sentiu o cheiro da merda. Era um cheiro insuportável, como se ele tivesse pedido pra cheirar o cu de uma égua. Um verdadeiro horror.

O zelador viu que o sensor tinha sido destruído ao mesmo tempo em que, de canto de olho, percebeu que o box da direita estava ocupado.

- Tem alguém aí? – perguntou Seu Erasmo, bem baixinho.
- Tem né, caralho!
- Meu senhor, o que aconteceu aqui? Todos reclamaram do barulho e eu acab...
- Posso cagar em paz, porra? - interrompeu Geraldo, o ex-sonâmbulo cagão.
- Mas eu só quero saber o que aconteceu aqui. Podemos conversar ou terei que chamar a polícia?

Geraldo estava vermelho de tanta putice. Podia sentir seus dedos tremendo, exatamente a mesma sensação de quando ele tinha que brigar com alguém na famosa rua da igreja, logradouro dos arredores de sua escola primária.

- Eu vou limpar a bunda e já falo com o senhor.
- Eu não posso esperar mais, moço. Já tem gente aqui me torrando as paciência.

Uns quatro ou cinco curiosos já começavam a aparecer no banheiro perguntando para Seu Erasmo o que havia se passado.

Geraldo estava muito, mas muito puto da cara. Seus nervos pulavam, assim como sua veia da testa. Aquilo era um mal sinal.

- Tô indo, caralho!

Limpou a bunda da mesma forma. Dobrou o papel em três partes. Mais uma vez, depois mais uma, e assim foi, até acabar o trabalho, finalizando com passadas suaves ao redor das pregas.

Apesar do nervosismo e tensão no ambiente, Geraldo se preocupava em limpar sua bunda da melhor forma. Procurava ser o mais higiênico possível com sua rodela preta.

A polícia já havia sido chamada, mesmo porque Geraldo havia demorado cerca de quinze minutos para limpar o rabo.

Bateram na porta. Era um coxa.

- Senhor, precisamos conversar. O senhor poderia sair da cabine, por favor?
- É FODA! É FODA!
- Senhor, saia AGORA! É uma ordem!
- FILHO DA PUTA, tô saindo e você vai ver só o que é bom pra fogo no cu, teu apressadinho de merda!

Geraldo abriu a porta com tudo, já com a .40 Glock em mãos, apontando para a primeira cara que surgia em sua frente.
Neste momento, os curiosos começaram a fugir, esbarrando-se uns aos outros. Um furdúncio ridículo. Seu Erasmo ainda caiu no corredor, parecia que tinha tomado porre durante, no mínimo, dois dias seguidos. Era um zelador.

Cara a cara com o policial. Armas apontadas para ambas as faces.

- Vai tomar no cu, Lima. Tava cagando, porra!
- Por que você não me disse que era você desde o começo?
- Como eu ia saber que era você, inferno? Não cago de porta aberta. Gosto de privacidade.
- Beleza, vamo aí antes que comecem a encher os nossos pacovás.
- Tá, tá, caralho. FODA!

Geraldo queria cagar em paz, só isso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Acordei pra isso. Não acredito.

Hoje parei pra pensar sobre como será o dia da minha morte. Mas aí eu gomando do jeito que tava, perguntei de volta: Por que essa dúvida, cara de mijo?

É de fuder a paçoca mesmo quando a esta altura do campeonato o cidadão resolve perguntar a si mesmo esta merda. Fico na minha e ó.
Mas aí acabei mudando de assunto voltando pro anterior e lembrei que já pensei em diversos tipos de morte que podem acontecer comigo. Já tentei imaginar a dor de cair de uma escada de 276 degraus, ser atropelado pelo busão e até pipoco na lata. Mas um lance que sobrepõe meus pensamentos é a cena em que estou caindo do penhasco.

Tava lá o filho da puta segurando com 4 dedos de cada mão a pontinha do desfiladeiro. Aí é óbvio que nesse sonho eu tinha que morrer, pois só me lembro do Tom Cruise ter conseguido isso uma vez e foi logo no comeeeeço do filme. Mas é do caralho como eu não me lembro da cena final, da tela preta mesmo, os créditos e o the end do bagulho não me sobem no teto da cachola. Deve doer para caralho, claro, mas não dói tanto como os que eu já pensei durante muito tempo.

Aí basta uma apertada na chapeleta para que este diálogo boçal esteja condenado. Uma necrofiliazinha na transição de um pensamento pro outro, pronto, passou o viaduto e eu já tô a fim de mandar me jogar em qualquer porra de vala. Foda-se, que seja antes, mas que eu pelo menos tenha o direito de escolher, oras.

Vamos à salvadora bronha que vai embalar os próximos sonhos mais pútridos que vivem dentro deste melão deformado e que dói.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Eu não sei

O que acontece com o pôr do sol?
Eu não sei.

Qual o índice de infectados por gripe suína na minha cidade?
Eu não sei.

Por que colocam os pizzaiolos nas fotos de folheto de pizzaria?
Eu não sei.

Por que o farol ficou verde e eu não atravessei a rua?
Eu não sei.

Por que ouço inúmeras conversas sobre programas de TV e não sei patavinas do que estão falando?
Eu não sei.

Por que arquivaram as acusações contra José Sarney?
Eu não sei.

O que é bonito?
Eu não sei.

O que é feio?
Eu não sei.

Por que ouço gemidos no apartamento de cima?
Eu sei, mas finjo que não sei.

Por que minha mãe me liga cinco vezes por dia?
Eu não sei.

Por que eu não gosto de hospital?
Eu não sei.

Qual a escalação do time do Corinthians no jogo de hoje?
Eu não sei.

Por que pago contas?
Eu não sei.

Por que enrola ao invés de falar de uma vez?
Eu não sei.

Por que não quero conversar quando chego em casa?
Eu até sei, mas escrevo que não sei.

Por que eu insisto em saber sobre o que ainda não sei?
Eu não sei.

Por que o chiclete não sai da sola do meu tênis?
Eu não sei.

O que tá rolando ali do outro lado da avenida?
Eu não sei.

Por que NY terá uma segunda semana de moda para concorrer com a oficial?
Eu sei lá, porra.

Por que parei de ver Lost?
Eu não sei.


Por que usam Croc´s?
Eu não sei.

Que se passa com minha falta de interesse?
Eu não sei.

Por que fede?
Eu não sei.

Quem sou eu?
Eu não sei.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A velha e molhada toalha azul

mais um dia com a velha e molhada toalha azul
um incansável e desgastante dia ocioso
um dia perfeito tão querido por tanta gente todos os dias

ouço vozes reais dirigindo-se a mim à toa
sinto o cheiro do esgoto sem me importar
bebo o elixir sem gosto que ganhei de presente

um incansável e desgastante dia ocioso
querido por qualquer um que passa logo ali

seco meu elixir em apenas um trago
seco o pequeno poço existente no deserto imenso que é a minha cabeça

minhas bolas escapam e tocam o pano sintético da cadeira
meus dedos sujos se movem à esmo

para nada serve, e tão pouco já bastava
por um momento refleti sobre minha cabeça vazia

miro com olhos angustiantes a velha e molhada toalha azul.

Paraíso urbano

Seguem em frente marchando feito soldados quebra-nozes manipulados por um garoto ruivo, de olhos castanhos e catota no nariz.


Empinam os narizes, olham uns aos outros procurando cores, costuras e caimentos nos mesmos uniformes.


Os homens flertam com as mulheres sem dizer uma palavra sequer. As mulheres desfilam rebolando seus traseiros gostosos só para sentir o prazer que só elas são capazes de entender e proporcionar.


- Marcão! Olha como ela tá gostosa hoje!

- Vadia. Cada dia mais tesuda. O rabo dela tá redondo como nunca esteve. Ela podia vir todos os dias com esta calça.

- Porra, bicho. Tô segurando a onda aqui pra não colar nela e falar uns absurdos. - repetiu Marcão.


Marcão nunca faria isso. É um completo bosta. Vive reclamando pelos corredores do escritório e, ao chegar em casa, toma esporro da mulher por não ter comprado a maldita ração do cachorro e fraldas pro pivete.


As marchas são sempre idênticas. Andam todos sintilantes em seus uniformes, param ao sinal vermelho, olham as mesmas de sempre, ostentam alguns carros que passam na rua e seguem seus caminhos lembrando que as contas estão vencidas, os juros estão lhes comendo o cu e que o lar vai de mal a pior.


O farol abre.


Seguem em frente marchando feito soldados quebra-nozes manipulados por um garoto ruivo, de olhos castanhos e catota no nariz.


Um dos filhos de Marcão caga na fralda e Julia reclama por ter que limpar aquele cocôzinho mole. 

Marcão abre a porta de casa. O pulguento pula em cima dele já marcando o lindo uniforme com a terra do jardim fuleiro do quintal mal cuidado.


- Como foi no trabalho? - perguntou Julia.

- Foi tranquilo, e aqui em casa, como estão as coisas?

- Tudo perfeito.


O filho de Marcão caga novamente na fralda. O cachorro solta três latidos ensurdecedores.


- Que dia da porra! - pensa Marcão.