segunda-feira, 27 de julho de 2009

A velha e molhada toalha azul

mais um dia com a velha e molhada toalha azul
um incansável e desgastante dia ocioso
um dia perfeito tão querido por tanta gente todos os dias

ouço vozes reais dirigindo-se a mim à toa
sinto o cheiro do esgoto sem me importar
bebo o elixir sem gosto que ganhei de presente

um incansável e desgastante dia ocioso
querido por qualquer um que passa logo ali

seco meu elixir em apenas um trago
seco o pequeno poço existente no deserto imenso que é a minha cabeça

minhas bolas escapam e tocam o pano sintético da cadeira
meus dedos sujos se movem à esmo

para nada serve, e tão pouco já bastava
por um momento refleti sobre minha cabeça vazia

miro com olhos angustiantes a velha e molhada toalha azul.

Paraíso urbano

Seguem em frente marchando feito soldados quebra-nozes manipulados por um garoto ruivo, de olhos castanhos e catota no nariz.


Empinam os narizes, olham uns aos outros procurando cores, costuras e caimentos nos mesmos uniformes.


Os homens flertam com as mulheres sem dizer uma palavra sequer. As mulheres desfilam rebolando seus traseiros gostosos só para sentir o prazer que só elas são capazes de entender e proporcionar.


- Marcão! Olha como ela tá gostosa hoje!

- Vadia. Cada dia mais tesuda. O rabo dela tá redondo como nunca esteve. Ela podia vir todos os dias com esta calça.

- Porra, bicho. Tô segurando a onda aqui pra não colar nela e falar uns absurdos. - repetiu Marcão.


Marcão nunca faria isso. É um completo bosta. Vive reclamando pelos corredores do escritório e, ao chegar em casa, toma esporro da mulher por não ter comprado a maldita ração do cachorro e fraldas pro pivete.


As marchas são sempre idênticas. Andam todos sintilantes em seus uniformes, param ao sinal vermelho, olham as mesmas de sempre, ostentam alguns carros que passam na rua e seguem seus caminhos lembrando que as contas estão vencidas, os juros estão lhes comendo o cu e que o lar vai de mal a pior.


O farol abre.


Seguem em frente marchando feito soldados quebra-nozes manipulados por um garoto ruivo, de olhos castanhos e catota no nariz.


Um dos filhos de Marcão caga na fralda e Julia reclama por ter que limpar aquele cocôzinho mole. 

Marcão abre a porta de casa. O pulguento pula em cima dele já marcando o lindo uniforme com a terra do jardim fuleiro do quintal mal cuidado.


- Como foi no trabalho? - perguntou Julia.

- Foi tranquilo, e aqui em casa, como estão as coisas?

- Tudo perfeito.


O filho de Marcão caga novamente na fralda. O cachorro solta três latidos ensurdecedores.


- Que dia da porra! - pensa Marcão.


Os dois e mais alguém

Pobres daqueles que me olham

Pobres daqueles pra quem estou olhando


falam, gritam, levantam as sobrancelhas, passam a língua nos lábios

exalam cheiro, somem diante de tantos que transitam na calçada

voltam com outros cheiros, falam, levantam os cotovelos


Pobres daqueles que me olham

Pobres daqueles pra quem estou olhando


sinto o cheiro que me deixa com náuseas

olho acima da minha cabeça a procura de outro aroma

ela coloca a blusa na cadeira, ele torna a olhar de modo desconfiado, como todos os dias

busco uma posição mais cômoda pra continuar fazendo o mesmo


Pobres daqueles que me olham

Pobres daqueles pra quem estou olhando


o telefone toca de repente como um choro de criança no meio da madrugada

ouço agradecimentos ao final do diálogo

sabe exatamente como dizer o que quer, na hora que convém


Pobres daqueles que me olham

Pobres daqueles pra quem estou olhando


O cinza do paletó cobre o pálido corpo

ela coloca a blusa novamente, ele olha de modo desconfiado quando alguém entra

sabe brincar com suas feições e atitudes


Pobres daqueles mortos que me olham com a cabeça baixa e fazem a mesma pergunta:

''você tá bem?''

Pobres daqueles mortos pra quem estou olhando.